O dia 23 de julho de 2023 vai ficar na história pela estreia de Portugal num Campeonato do Mundo de futebol feminino. É natural e saudável, até que o país se entusiasme com a participação na Nova Zelândia e muitos portugueses descubram (ou redescubram) o prazer de assistir a jogos praticados por mulheres.
Foi uma luta árdua, mas aparentemente conseguida. Num país latino e culturalmente machista, a atenção que recai sobre as jogadoras é cada vez menos episódico, não apenas pelo desempenho da Seleção, mas fundamentalmente porque há um campeonato onde atuam Benfica, Sporting e SC Braga.
Tal como aconteceu há mais de duas décadas com o futsal, foram os clubes que atraem mais adeptos e darem um enorme empurrão para a divulgação da modalidade. Sem isso, muito dificilmente estaríamos onde estamos atualmente.
Mas o futebol feminino tem ainda outra particularidade que deve sempre servir como barómetro: mais que um desporto, é um sinal de evolução do país e sociedade a que pertence. Ao contrário do futebol masculino, o top 20 do ranking FIFA feminino tem uma correção direta com o top 20 do Índice de Desenvolvimento Humano criado pela ONU, o qual assenta em três dimensões, vida longa e saudável, conhecimento e padrões de vida dignos. São 13 em 20 contra 7 em 20 no ranking masculino.
Dito de outra forma: as melhores seleções de futebol feminino são, maioritariamente, países que oferecem melhores condições às suas populações, Alemanha, Suécia Inglaterra, Canadá, Países Baixos, Austrália, Japão, Noruega, Dinamarca, Islândia, Coreia do Sul, Bélgica e Suíça são os 13 que surgem repetidos nos dois rankings, enquanto 13 da lista masculinas não figuram nos mais desenvolvidos enquanto nação: Argentina França, Brasil, Croácia, Itália, Portugal, Espanha, EUA, Marrocos, México, Uruguai, Colômbia e Senegal.
Nem o medalheiro dos últimos Jogos Olímpicos (Tóquio) tem esta proximidade: dos 20 países que conquistaram mais medalhas, a maioria (11) não figura nos melhores 20 do IDH das Nações Unidas: EUA, China Rússia, França. Itália, Brasil, Cuba, Hungria, Polónia, República Checa e Quénia.
Chegar ao topo do futebol feminino é um desejo legítimo de emancipação, mas tem de representar muito mais que isso: deveria ser uma consequência, Portugal é 21º no ranking FIFA, mas apenas 38º no Índice de Desenvolvimento Humano. Torcer pelos golos da Jéssica, da Diana ou da Kika é torcer por nos tornarmos um pouco melhores.
Orlando Fernandes