Um dos homens mais sábios com que me cruzei no futebol chama-se Jesualdo Ferreira e uma das suas frases de que guardo memória foi esta: “ Um jogador que marque 20 ou 39 golos tem qualidade, jogue na Primeira Liga ou Distrital.” Serve isto para pôr em perspetiva o que Cristiano Ronaldo anda a fazer na Arábia Saudita, um campeonato que todos concordamos não ter o grau de dificuldade das principais ligas europeias, mas onde outros craques estão ou já estiveram e sem atingir os números do avançado português.
Nesta fase da sua carreira, discutir se é mais fácil ou mais difícil marcar golos no calor saudita é uma discussão pífia, quando o que está à vista de todos é uma ética de trabalho que parece apurar-se na medida exata da aproximação do fim do trajecto. Tão ou mais notável quando a soma dos golos (e são muitos) é a inesgotável vontade de se superar e basta ver os seus jogos e conhecer um pouco da sua personalidade para perceber que CR7 defronta qualquer adversário saudita como se anda estivesse no Bernabéu a marcar hat tricks em noite de Champions.
É estra atitude e força mental que permite a um dos melhores desportistas de todos os tempos continuar a espantar o mundo, aos 40 anos. Com golos fora da área como aconteceu agora ou finalizações cirúrgicas, a dobrar, como se verificou na recente partida de Portugal frente à Hungria, o que fez dele o jogador da história com mais golos marcados em qualificações para o Campeonato do Mundo.
O mais notável tudo é que Cristiano Ronaldo parece estar em melhor forma e mais certeiro aos 40 anos do que aos 39, como se, outra vez, tivesse descoberto mais uma maneira de melhorar o desempenho, físico e mental. No caso dele já suspeito de, tudo, porque é um jogador – e um homem – que busca a perfeição, lutando fundamentalmente contra si mesmo, e que usa esse combustível elevar quem o acompanha.
Sorte de João Félix que pode beber de perto a mentalidade de um atleta fora de série. Viver o dia a dia, no clube, é muito diferente dos estágios da Seleção, e seguramente que se ele assimilar metade da mentalidade do capitão da Seleção ainda estará a tempo de ganhar a relevância que muitos adivinhavam, mas já poucos acreditam.
Orlando Fernandes