A cultura de desculpabilização e o impacto no futebol português

A arbitragem em Portugal tem sido, ao longo dos anos, um dos temas mais controversos no futebol, desde o principal escalão até aos campeonatos distritais. A forma como os clubes, treinadores e até presidentes lidam com as decisões dos árbitros reflete não só a cultura desportiva, mas também a forma como o insucesso é encarado no futebol português.

É curioso notar que, quando uma equipa perde, a arbitragem é frequentemente o bode expiatório. Os discursos são invariavelmente os mesmos: “fomos prejudicados”, “o árbitro condicionou o jogo”, “não nos deixaram ganhar”. Em contraste, quando uma equipa é beneficiada por um erro arbitral, raramente há uma palavra de reconhecimento. O silêncio impera ou, na melhor das hipóteses, escuta-se um tímido “são erros que acontecem para os dois lados”. Esta dualidade demonstra que a discussão sobre a arbitragem não é feita de forma séria e imparcial, mas sim de acordo com as conveniências do momento.

Nos escalões inferiores, a situação é ainda mais caricata. Conferências de imprensa após jogos da terceira ou quarta divisão do futebol português parecem, por vezes, verdadeiros tribunais públicos contra os árbitros. Treinadores e dirigentes justificam derrotas consecutivas com supostos erros arbitrais, desviando o foco da verdadeira questão: o rendimento das suas equipas. É uma forma fácil de se eximir de responsabilidades e de manter uma narrativa que apazigua adeptos e sócios.

Nos programas desportivos televisivos, a arbitragem é um tema recorrente. Comentadores desportivos, muitos deles afetos a clubes de nomeada, dedicam horas a discutir decisões dos árbitros, muitas vezes sem o devido conhecimento das leis do jogo. É frequente ver-se lances analisados com base na emoção e no clubismo, ao invés de critérios técnicos e regulamentares. A arbitragem, em vez de ser um elemento do jogo a ser debatido com racionalidade, transforma-se numa arma de arremesso para justificar insucessos e alimentar polémicas artificiais.

O problema da arbitragem em Portugal não está apenas na qualidade dos árbitros, que certamente cometem erros, como qualquer ser humano. O problema maior reside na cultura de desculpabilização instalada, onde se procura sempre um culpado externo para justificar um mau resultado. Enquanto esta mentalidade persistir, o futebol português continuará refém de narrativas que em nada contribuem para a evolução do jogo.

O verdadeiro “pobre futebol” não é aquele que sofre com erros de arbitragem, mas sim aquele que não consegue encarar os seus próprios erros e limitações. Até quando continuará este ciclo vicioso?

Por Luis Roçadas