O direito das crianças ao desporto deve ser visto nesta exata perspetiva: como um direito seu e não de terceiros. Abordar este tema é aceitar que a criança, como ser humano que é, tem direitos inerentes pela sua essência e existência.
Todas as crianças têm o direito de ser ouvidas e de que as suas escolhas sejam tidas em consideração (de acordo com a sua idade). Contudo, este direito nem sempre é salvaguardado e aplicado na sua plenitude. Nos clubes e competições, o foco está colocado no resultado, na classificação e não na formação. Porém, nem todas as crianças são iguais, nem têm a mesma paixão ou potencial. Temos crianças competitivas e outras menos. As sensibilidades nas crianças são pouco homogéneas.
As crianças são como são e não como os adultos gostavam que fossem. A prática desportiva não pode ser vista como uma obrigação, um sacrifício em resposta aos interesses dos agentes desportivos (pais, treinadores, dirigentes, etc.). De igual modo, também a escolha da modalidade não pode ser-lhes imposta.
O desporto para crianças deve respeitar o contexto próprio da sua idade, fora de qualquer manipulação exercida pelos adultos. Os pais, treinadores e dirigentes devem compreender a complexidade dos fatores envolvidos na formação desportiva das crianças. Por exemplo, a especialização precoce pode ter consequências negativas e é uma das principais razões para o abandono da prática desportiva na adolescência.
Hoje, é consensual que os quadros competitivos do desporto infantil são desajustados e feitos à imagem e interesse dos adultos e não do interveniente principal, a criança. No desporto sénior profissional vale (quase) tudo para se vencer, em especial no futebol, e esse mau exemplo acaba por contagiar toda a pirâmide desportiva. É necessário intervir para quebrar a cadeia de contágio.
Em relação aos pais, as crianças gostam que estes estejam presentes na sua prática desportiva, mas que tenham uma linguagem e comportamento positivo e não as condicionem. A superproteção na prática desportiva da criança é um obstáculo ao seu desenvolvimento, à sua criatividade e autonomia. O desporto não tem perigos acrescidos e as crianças devem aprender a resolver os «cenários» em que se encontram.
Atualmente, muitas crianças têm uma atividade desportiva demasiada organizada, com uma mensalidade suportada pelos pais, que induz as expetativas de que os filhos devem atingir determinados resultados que os pais veem como a justa compensação do seu “investimento”. Espera-se o “sucesso” e não apenas que as crianças sejam felizes a jogarem entre elas.
Basta de tratar as crianças como atletas miniadultos que não são! Tratemos as crianças como crianças que são.
Feliz dia a todas as crianças.
Vítor Santos (Embaixador do Plano Nacional de Ética no Desporto)