Todos os momentos são oportunos para se abordar o tema da ética no desporto.
No desporto português existe, pelo menos, algo transversal a todos os agentes e clubes: a desconfiança. Um sentimento muito português em que o outro só ganha porque é “chico‑esperto” e nunca por mérito. No desporto não pode existir dúvida nenhuma em relação ao mérito do vencedor, pelo que a vigilância ética tem de ser vivida por todos.
O adepto anónimo tem todo o direito a ser fanático pelo seu clube e fazer todo o tipo de comentários e avaliações, por mais ridículos que sejam. Quando falamos de agentes desportivos (dirigentes, treinadores, atletas, árbitros, jornalistas, pais, etc.), já não temos de ser tolerantes ou permissivos. Temos de ser exigentes no respeito pelo desporto, pela modalidade e pelo agente desportivo.
A verdade é que existe logo de início uma perceção de incompetência dos outros. Os treinadores, árbitros e adversários são todos uns incompetentes e “eu” é que sei. Esquecemo‑nos do mérito. Que do outro lado existe trabalho, dedicação e vontade iguais ou superiores muitas vezes aos nossos. Outra perceção também imediatamente subjacente é a de injustiça. O mundo está todo contra nós. São as competições que estão mal, a equipa adversária que faz batota, a nomeação de árbitro/VAR que visa prejudicar‑nos. A vitimização é por demais evidente. Os argumentos são sempre os mesmos: “pequenos, mas dignos”, “da aldeia, com muito gosto”, “pobres, mas sem dívidas”. Este tipo de argumentos não faz sentido quando falamos de desporto. Temos é de falar de organização, superação, trabalho, etc.
Perante tudo isto, assistimos a uma falta de respeito pelos agentes desportivos: treinadores, árbitros, dirigentes e atletas. O treinador porque é chulo, o árbitro porque é corrupto, o atleta porque é vadio e o dirigente porque é um oportunista. Estes são os alvos dos mais variados comentários depreciativos. Não raro são os próprios dirigentes e treinadores a darem voz a estas observações, o que ainda é muito mais grave. Estes julgamentos primários definem o carácter de quem os faz e não do alvo a que se dirigem.
Os líderes são pouco líderes. Não acreditam nas suas escolhas, nas suas equipas, no seu trabalho! Quando um treinador permite que seja feita alguma intervenção extrajogo por parte da direção do clube, nunca mais vai ser respeitado. Se corre bem, será a direção a vangloriar-se de ter ganho o jogo, a competição. Se corre mal, é despedido.
Os principais clubes portugueses não têm muito a ensinar em termos de gestão. Os passivos financeiros são conhecidos e muito do ruído que fazem é para não se falar do que realmente importa: o jogo. Por isso não vão por aí, porque vão gastar dinheiro que não têm e que vão ter de pagar.
Quando falamos em formação, tudo se amplifica. Os pais são dos que alinham neste tipo de estar no desporto e argumentam desta forma. Têm de ser educados e ensinados sobre o que é o desporto e a modalidade. Ninguém quer prejudicar o seu filho. Ele não é o centro do mundo. É uma criança que quer divertir-se e aprender a jogar. O treinador não persegue o seu filho. O árbitro nem sabe quem é o seu filho. O adversário quer o mesmo que o seu filho.
Por isso, deixem jogar e desfrutem do espetáculo que é o desporto. Tal como o seu filho.
Vítor Santos (Embaixador do Plano Nacional de Ética no Desporto)