Por: Orlando Fernandes
Já lá vão muitos anos, é verdade. Mas se os mais novos não conhecem, o que foi o futebol do Lusitano de Évora, em especial na década de sessenta – denominada de ouro, pelos êxitos do Benfica (ao conquistar duas Taças dos Campeões), Sporting (uma vitória na Taça das Taças) e Vitória de Setúbal (eliminado nos quartos de final da Taça EUFA) e da selecção (terceiro lugar no Mundial de Inglaterra, onde Eusébio foi “rei” dos marcadores – os mais idosos recordam-se bem, do valor de Vital e Patalino, que foram internacionais ”A” entre outros futebolistas de mérito, como o José Pedro Fialho, que era do Benfica, o Carraça, o Polido, o Fale e tantos outros que, durante anos actuaram na equipa alentejana.
Carlos Falé, que conta 89 anos, mas parece muito mais novo – iniciou-se, tinha 14 anos, nos “gaiatos”, uma equipa de jovens do Redondo, a terra onde nasceu e na qual exercia a profissão de aprendiz de sapateiro até que aos 17 anos, por cinco contos e um jogo do Lusitano no Redondo, transitou para Évora, integrando a equipa de juniores do Lusitano Ginásio Clube, onde apenas fez quatro jogos, passado de imediato às “reservas”, para em 1953, alinhar nas primeiras categorias, estreando-se, no Barreiro, contra a Cuf. Nem ele fazia ideia de que ia iniciar uma longa carreia, primeiro como defesa lateral, depois como central. Era mais um percurso de êxito para o Redondo FC, uma espécie de viveiro do mais popular clube de Évora, sempre em compita, no entanto, com o Juventude.
Em determinada altura, o Sporting procurou adquirir o seu concurso – já depois de ter alinhado pelos “leões”, na inauguração do Estádio José Alvalade, a 1 de Julho de 1956, devido à lesão de Passos, frente ao Vasco da Gama, do Rio de Janeiro, a convite do então treinador, leonino, Picabea. Só que a Direcção do clube eborense – que teve sempre boas relações com o clube leonino, autorizou Fale a efectuar esse jogo – digamos que era a retribuição pelo facto do Dr. Salgueiro Maia, médico dos “leões”, no ano anterior, ter operado Fale, que fez depois a recuperação a essa intervenção à fractura do menisco com o massagista Manuel Marques – mas já não reteve nos conformes em relação à transferência para Alvalade.
“Era outros tempos, na verdade. Tive, no entanto, muito orgulho em viver esse dia de festa, só lamentando a derrota, por 2-3, dos “leões”, com dois golos de Miltinho, perante os vascaínos. Mas foi uma honra jogar na equipa formada pelo Carlos Gomes, Caldeira e Pacheco; Cabrita (emprestado pelo Covilhã, e eu o Juca; Hugo, Vasques, Miltinho, Imbelloni e Martins. Para assinalar a data, na qual o Sporting foi agraciado com a medalha de Mérito Desportivo, alinharam de início, Passos, Travassos e Albano, que deram, somente, o pontapé de início, enquanto Quim e Jorge Mendonça acabaram, por entrar na segunda parte”.
E Falé acrescenta: “Acabei por ficar toda a vida no Lusitano, onde consegui ser internacional, pela selecção militar, em 1954/55, conjuntamente com Mário Coluna, Vital, Rocha, José Pedro e outros elementos de reconhecida valia no futebol dessa época. Defrontámos a Holanda a Turquia, a França (por duas vezes, no Marque dos Príncipes) e o Egipto, num encontro realizado em Évora. Mas tive, ainda a honra de ao serviço do Lusitano, ter ganho durante quatro anos consecutivos, a Taça Correcção, uma honra que só este clube ostenta. Os convites continuaram mas os directores do meu clube nunca me deixaram sair e acabei por me radicar no Lusitano, fazendo parte do conjunto que conseguiu o 5º lugar no “nacional”, na época de 1956/57 – com destaque para uma célebre goleada ao Benfica (4-0) – aquando da presença, em Évora, do treinador Otto Bumbell, o qual foi para o FC Porto, onde foi um técnico vitorioso, a nível nacional.
E Falé, ao recordar esses tempos, emociona-se ao lembrar as caravanas de automóveis que se formavam, desde Montemor, quando das visitas dos “grandes” a Évora: “era qualquer coisa que quase nos arrepiava, mas que, ao mesmo tempo, como que o dava forças para vencer os maiores clubes portugueses. O Lusitano – e de certa maneira, mais fugazmente, é certo o Juventude, tal como o Elvas – que também, cedeu Patalino para fazer parte de uma equipa do Sporting que deslocou ao Brasil, antes daquele centro-avançado ingressar no Lusitano de Évora – chegaram, por mérito próprio ao escalão principal do futebol nacional. No que diz respeito ao meu clube, depois de 1968, quando começou a viragem no futebol português, em termos económico, fomos caindo, por falta de estruturas financeiras para acompanhar os novos tempos.”
Depois de deixar o Lusitano, Carlos Falé ainda jogou dois anos no Montemor, conseguindo passar o clube dos campeonatos regionais à 3ª divisão, após o que enveredou pela carreira de treinador, o Vila Viçosa com o qual subiu à 3ª divisão, em 1972/73. Futebol, depois só na equipa das Velhas Guardas do Lusitano, uma ideia sua e de que se orgulha.
Conformismo ou realismo, é o que se pode deduzir das palavras de Fale: “Tenho pena que as actuais gerações de eborenses não possam ver na capital da sua província as grandes equipas portuguesas, mas o Alentejo é outro já não é não é mais o tempo dos grandes agricultores e sem dinheiro, nos dias de hoje, também, não é possível competir com as grandes equipas de futebol, cada vez mais um mercado de investimento, no qual os clubes de Évora não têm assento. E o mesmo se deve dizer do Juventude, pelo que, por muito que isso me custe dizer, não acredito que seja possível nos tempos mais próximos voltar a ver uma equipa de Évora na actual 1ª Liga do nosso futebol uma realidade.
Carlos Falé considera que os momentos mais tristes da sua carreira foram as duas lesões meniscais que contraiu num jogo com a Académica, em Coimbra, a par claro, da descida do Lusitano à segunda divisão. O antigo jogador integra, neste momento, os corpos directivos do Lusitano, onde tem tido um papel importante na recolha do espólio do clube eborense, no qual outro nome conhecido dos tempos de jogador, José Pedro Fialho, exerce funções na secretária depois de ter sido roupeiro. Para ele, neste momento e face aos interesses financeiros de toda a ordem, que rodeiam o futebol e “estragaram” o espectáculo em si, mesmo em relação aos seus tempos (os clubes jogavam mais ao ataque, havia grandes avançados-centro, como o José Torres e o Patalino, que terá sido o melhor do meu tempo, a nível nacional”), o que lhe desperta mais interesse são os jogos das camadas mais jovens, “onde o futebol é mais saudável. O Lusitano, tem hoje uma equipa sénior formada por rapazes alentejanos, como acontece com o Juventude e o Sport Lisboa e Évora. E até gosto de os ver jogar. Agora claro, não podem competir com o futebol dos milhões. Por isso, embora também me doa, afirmo que nunca mais teremos um clube de Évora na 1ª Liga.”
Nestes últimos anos, Carlos Falé tem dedicado o seu tempo – e não só já que as despesas são por ele suportadas – à recolha e recuperação de tudo que se prende com a história do Lusitano Ginásio Clube. Não só no que diz respeito ao futebol, como a outras modalidades que o clube praticou, como a ginástica, de que foi, há 50 anos, um dos catorze fundadores da respetiva Federação: o lema “fazer forte a fraca gente” passou a fazer parte, aliás a partir dessa altura do emblema do Lusitano. Carlos Falé começou por conseguir que a Diecção lhe cedesse um pequeno barracão, na extremidade do campo de jogos, onde passou a funcionar o Departamento das Velhas Glórias. Hoje, ele próprio reconhece o valor do seu trabalho: “julgo que posso dizer, sem falsas modéstias, que se trata já de um pequeno museu do Lusitano, com muitas peças recuperadas, desde relatos de jogos de futebol dos anos sessenta a fotos e recortes de jornais, que representam um espólio valioso e que já foi apreciado pelas mais altas entidades oficiais eborenses, que me deram os parabéns pela iniciativa”.
Ao realizar este trabalho tomamos conhecimento, do falecimento de Carlos Francisco Carvalho Fale, conhecido nos meios futebolísticos por Carlos Fale. Aos familiares apresentamos as nossas mais sentidas condolências, curvando-nos sobre a sua memória desejamos que descanse em paz.