O beijo roubado de Luís Rubiales presidente da Federação espanhola de Futebol, à futebolista Jenni Hermoso, durante os entusiásticos festejos do título mundial feminino de futebol tornou-se tema universal. Abuso sexista ou, apenas, um excesso de entusiasmo? Esta é pergunta em relação à qual já ninguém quer ouvir a resposta. Para Rubiales, que teimosamente resiste ao pedido de demissão, tratou-se, apenas, de um “beijo consentido” num momento de exaltação coletivo, mas desgraçadamente para o presidente da federação espanhola, essa não é a versão da jogadora.

 A verdade é que a Espanha inteira vive com mais intensidade a discussão sobre o beijo pecaminoso de Rubiales do que a exaltação do histórico título mundial. E isso é injusto para todas as campeãs do mundo, que se sentem, também elas roubadas no seu direito à glória e à idolatria popular.

 O título de campeãs do mundo parece ter acontecido há séculos e o beijo de Rubiales, por muitos dias que passem, parece ter acontecido ontem. Tornou-se assunto de Estado, o Rei já se pronunciou sobre o incidente. Tornou-se, também, assunto da UEFA e da FIFA e, em breve, se tornará assunto do Tribunal do Desporto, mas mais importante do que isso, tornou-se assunto da guerra dos sexos.

 “Abaixo o falso feminismo”, gritou o líder do futebol espanhol, para quem, segundo argumentou o beijo dado a Jenni foi como se o tivesse dado a uma filha. Não se sabe se a filha de Rubiales se sente humilhada pela comparação, mas sabe-se que o fogo da discussão alastrou por toda a espécie de moral pública. Para trás, e sem grade explicação, ficaram os históricos beijos de Diogo Maradona a Caniggia, durante um quente Boca Juniors – River Plate, ao que parece, o beijo mais ardente e apaixonado de todos. E também aquele beijo intenso e comprometedor de Rakitic ao português Daniel Carriço, nos festejos de uma Liga Europa conquistada, nos penáltis, ao Benfica. Também para a história ficarão outros ósculos inquietantes, que correra mundo, um dos quais, na órbitra política, entre o muito soviético Leonid Brejnev ao líder da antiga República Democrática Alemã, Erich Hoenecker e que selava, com esse gesto, a solidez do chamado mundo socialista. Era hábito, na época, os líderes do bloco comunista se saudarem com três beijos nas faces, mas em caso de maior fraternidade e coesão política, os beijos eram dados na boca.

 Outros tempos e, admito, outras vontades. No caso do beijo roubado à espanhol, não deixa de ser irónico que um potencial candidato ao cargo de Rubiales seja o nosso bem conhecido Iker Casillas, que depois de conquistar o Mundial na África do Sul roubou, em direto e ao vivo, um apaixonadíssimo beijo a Sara Carbonero. Nessa altura, toda a gente achou, no mínimo, desculpável, até porque Carboneiro era uma jornalista a procurar cumprir a sua missão de entrevistadora e o incidente tornou-a profissionalmente vulnerável.

 Ninguém pode ter a certeza do verdadeiro sentimento de Rubiales quando beijou Jenni. Pode ter sido, apenas um gesto soviético à moda de Brejnev, pode ter sido um traiçoeiro atentado à dignidade da atleta e pode ter sido, apenas, como ele garante, um excesso de entusiasmo. Mas nada pode justificar e desculpar o ato do mesmo Rubiales que, na tribuna de honra, para comemorar o título espanhol de campeão do mundo feminino de futebol, achou que o seu melhor contributo seria o de agarrar os genitais com ambas as mãos e assim se exibir às câmaras de televisão. E esse gesto obsceno torna o beijo definitivamente sujo.

Orlando Fernandes