Sempre me pareceu reflexo de escassa inteligência e profundo oportunismo não ler os eventos à luz da realidade em que ocorreram. Da mesma forma, pretender desvalorizar culturas alheias, impondo a nossa algo que volta a estar na agenda do politicamente correto europeu, só revela a arrogância, fundada numa pretensa superioridade intelectual de quem há muito deixou de se preocupar com as necessidades mais básicas, que fazem o quotidiano dos que, lutam, pelo menos dois terços do planeta, pela sobrevivência.

 Reconduzindo a questão à área desportiva, tresler a história seria como teimar, por exemplo, que Carlos Calado (grande velocista português do final do século XX) foi melhor do que Jesse Owens que brilhou na década de 1930/40, apenas porque conseguiu melhores marcas que o norte-americano. A esta discussão sem sentido podiam ser trazidos Pelé, Eusébio Cruyff, Di Stéff, Puskás Maradona, Messi e Cristiano Ronaldo, da mesma forma que podia querer criar-se um ranking patético entre Leonardo da Vinci, Pablo Picasso, Miguel Ângelo, Salvador Dalí, Vincent Van Gogh, Lucian Freud, Jackson Polock ou Rembrandt.

 Deixando de parte comparações sem sentido, ou juízos de valores que pretendem comparar o incomparável, há que perceber o Mundo, mantendo a mente aberta a uma evolução que aponta no sentido da abrangência e da tolerância, do respeito e da igualdade na diferença, em escalas e dinâmicas diferente, consoante o ponto de partida de cada sociedade.

 O Desporto, talvez a mas forte das linguagens universal, representa um papel importante em todas as transformações em curso, porque funciona como farol que leva luz a todas as partidas do Mundo. E, apesar de críticas justas feitas sobretudo à ganância falta de escrúpulos de alguns, temas como a igualdade de género, a luta contra o racismo ou a ostracização de países agressores, têm dado saltos quânticos à escala global, também pela visibilidade que o Desporto lhes deu. Por tudo isto – e em Portugal começa agora, com décadas de atraso, a dar-se importância ao assunto -, apertar a malha e aumentar o escrutínio sobre quem assume cargos em clubes e organizações é fundamental para não corrermos o risco de trocar apenas, nalguns casos, bafio velho por novos bafientos.

Orlando Fernandes