A morte parece ser a principal razão das homenagens. É, obviamente, um paradoxo. O que se deve homenagear é a vida. A morte apenas se lamenta. E lamenta-se a perda humana e a falta de sensibilidade que todos temos para tão rapidamente nos esquecermos daqueles que nos proporcionaram o mistério da arte.

 Quando falamos e lembramos Fernando Chalana, sobretudo aquele que viram jogar e com ele conviveram, devemos entender que pelo menos metade da população portuguesa nunca o viu pisar o relvado de um estádio, não lhe reconhece aquele drible inconfundível, nem a sua maneira muito metida com ele de viver a fama.

 Por isso se deve começar por explicar que não estamos a falar, apenas, de um futebolista de enorme talento, campeão seis vezes pelo Benfica e duas pelo Bordéus, internacional português de grandes méritos e, juntamente com Michel Platini, o grande astro do Europeu de 1984, em França. Estamos a falar de um arista de dimensão universal.

 Não há muitos artistas dessa dimensão no futebol. Alguns têm, inegável talento, mas Chalana ia muito além disso tinha a genialidade dos foras-de-série, daqueles que são tocados pelos deuses para deles se aproximarem e surpreenderem os homens comuns.

 Chalana era um artista muito peculiar. A sua obra foi assinada com os pés e nem por isso deixou de ser uma obra de arte. Imprevisível, criativo, capaz de provocar reações e emoções especiais, como é próprio de um grande artista.

 Ora, os grandes artistas são personalidades estranhas. Vivem, as suas vidas nos seus mundos, que não é necessariamente o mundo que a maioria dos homens e das mulheres idealizam, e acreditam. Chalana era reservado, embora risonho e bem-disposto, era tímido, embora adorasse estádios cheios de uma multidão entusiástica, e era uma ingenuidade adorável.

 Muitos apenas definem tudo isso por uma expressão: “Uma boa pessoa”. No entanto, uma boa pessoa que passa pelo mundo sem traço e sem grande história é necessariamente diferente de uma boa pessoa que chegou a ter o mundo de entusiastas do futebol a seus pés, um ídolo de multidões de muitos credos e culturas.

 Dizem alguns que, com a sua morte, o futebol português perde uma das suas maiores referências. Não concordo. As referências são das poucas coisas que resistem à morte física.

Orlando Fernandes