Piloto de aviões, bombeiro, médico…jogador de futebol. São respostas frequentes à pergunta o que queres ser quando fores grande. Sonhos de miúdos com a vida toda pela frente, com a esperança num golo, numa vitória, num título, numa vida melhor. Sonhos ao alcance de alguns, de mais em países onde as condições para os alcançar são sólidas. Mas há quem para os perseguir tenha de confiar em vendedores de ilusões, muitas vezes não mais do que banha da cobra disfarçada de sonho cor-de-rosa. Esta quarta-feira, o Serviço de Estrangeiros e Fronteias revelou que no âmbito da operação El Dourado sinalizou 47 vítimas de tráfico de pessoas, das quais 36 menores e 9 jovens adultos, na zona do Grande Porto. Vítimas de indivíduos sem escrúpulos, gente a sofrer mesmo debaixo das nossas barbas.

 Nestas alturas todos lamentamos, questionamos como é possível, apontamos o dedo e reclamamos justiça. Mas a verdade é que andamos todos distraídos. Já em 2007, se alertou para o grito de uma organização não governamental, a Culture Foot Solidaire, que avisava para o facto de Portugal ter mesmo muito com que se preocupar relativamente a situações de tráfico de pessoas, que flagela, que explora os sonhos de muitos em saírem da miséria. No futebol, apontava-se até uma rota portuguesa, passagem ou destino de jovens que partiram dos seus países à procura de uma vida melhor, que pagavam com as poupanças inteiras das famílias e que acabaram vítimas da exploração mais abominável que se pode imaginar.

 Andamos mesmo muito distraídos. Só lembramos que há gente que sofre quando a notícia salta por uns dias para o mediatismo dos ecrãs, mas que logo se evapora com a espuma dos dias. Fazemos de conta que nada se passa quanto nas estradas junto às explorações agrícolas vemos pessoas de outros lados, gente como nós, a caminhar de campo em campo sem nos importarmos com as condições a que estão sujeitos no dia-a-dia. É gente que nos escolheu para ter uma vida melhor, como nós no passado (e no presente) também escolhemos outras paragens para ganhar a vida.

 Não viremos a cara, mais uma vez- É altura de desenterrar a cabeça da areia e combater, a sério o problema – e combater também aqueles que acham que o problema são os que vêm de fora.

 Desta vez, no âmbito da operação El Dourado, foi envolvido nesta teia (e prevaleça, obviamente, a presunção de inocência) o presidente da Mesa da Assembleia Geral da Liga, Mário Costa. Desde que o seu nome aparece ligado a este caso e se a presunção de inocência é direito fundamental em qualquer democracia, também as responsabilidades de cada um o são. Por isso, deveria logo o dirigente ter pedido a demissão. Não o fez, obrigou Pedro Proença a convocas reunião de emergência de onde saiu o pedido – ou seja, não o podendo demitir o presidente da Liga fez o que podia, e devia, para que a demissão acontecesse. E só precisou de dois dias.

Orlando Fernandes