O futebol português sempre escorregou para o mar. É natural, temos um desenvolvimento desequilibrado e o interior sempre foi sofredor e, não raras vezes, esquecido. Há um sobrevivente. Um resistente, como se fosse a aldeia do Asterix. Chama-se Chaves e é um, caso invulgar de persistência e de resistência no Alto Tâmega.

 Tudo o que sobra de interior é deserto na Liga principal. E também tudo o que sobra no espaço imenso entre Lisboa e o Algarve, que ganhou, com o Farense, o segundo clube da região.

 Há, porém, um outro caso inquietante. Perdemos, algures no Atlântico, os representantes que o futebol maior tinha nas ilhas. A Madeira chegou a ter três clubes entre os grandes – Marítimo, Nacional e União -, mantinha o Marítimo como um sobrevivente quase inquestionável, desde há décadas. E o Sant Clara fez aparecer o nome dos Açores, tornando o futebol português mais extenso e mais diverso. Este ano, ambos caíram para a Liga 2 e esse facto não apenas empobrece o futebol nacional, como empobrece a Madeira e os Açores.

 A conclusão a que se pode chegar é que há uma penalização clara e grave da insularidade e da interioridade. Ou seja, há penalização também no futebol, daqueles que já eram penalizados na qualidade de vida, no défice da economia, na maior dificuldade de desenvolvimento. E isso deve constituir uma preocupação nacional. Porque se é verdade que o futebol é um espelho da sociedade que somos, repetindo, como diz Manuel Sérgio, as taras, os vícios, as virtudes então é porque a saúde da democracia portuguesa vai pior e, assim sendo, existem razões para causar inquietação, pelo menos, entre aqueles, talvez não muitos, que ainda se preocupam com o país e com os portugueses.

 Muitos dirão que e exagero confundir o futebol com a economia, o desenvolvimento, a realidade social. Mas esses são os que vivem sem entender a vida, os que dividem os mais diversos setores da vida nacional em zonas demarcadas. Porém, o país que se afirma uno e indivisível não pode continuar a ser um país assimétrico. E, neste particular, valerá a pena dizer a todos aqueles que ainda vivem a lógica estafada da guerra norte-sul e do centralismo de Lisboa, que estão equivocados. A luta certa é a do interior e das ilhas.

Orlando Fernandes