Quando, após o último Portugal x Espanha, o selecionador nacional Luís Conceição disse: “Um dia vai cair para o nosso lado”, muitos não terão percebido o verdadeiro alcance desta mensagem. Nem terão percebido que disso depende, em grande percentagem, o sucesso ou insucesso do futsal feminino português nos próximos anos.

Enquanto falamos dos outros, não reparamos que os mesmos não param. Que os outros não querem saber do que dizemos. Que os outros agem. Enquanto continuamos a ser verdadeiros «experts» em dissertações sobre a galinha do vizinho, não reparamos que os outros não querem saber. Agem.

E a Espanha soube agir. Agiu perante um erro cometido, dos poucos que cometemos na 1ª parte. Diminuiu a diferença no marcador e trouxe desconforto a um momento (intervalo), que se queria de conforto e de estabilização.

Uma 1ª parte assombrosa de Portugal, em quase todos os momentos do jogo. Superiores, mas faltou acerto nas oportunidades criadas.

Uma 2ª parte em que acusámos a pressão dos nossos adversários, fruto deles correrem atrás do prejuízo, mas a não conseguirmos ter bola o tempo suficiente para gerirmos o jogo a nosso favor. Um corte mal direcionado e a meia distância espanhola a fazer estragos novamente. Animicamente fomos abaixo. Mas ainda a tempo de fazer o empate e levar o jogo para prolongamento.

Um prolongamento que revelou uma excelente guarda-redes, à qual não é fácil fazer golos de livre de 10 metros, e muito menos de penalties. O desacerto dos livres demonstrou a insegurança do resultado.

Pénalties: há quem diga que é lotaria, eu digo que é treino. Não que a nossa Seleção não tivesse feito o trabalho de casa e treinado essa situação, mas a equipa espanhola foi mais competente nesse capítulo e demonstrava saber para onde as nossa jogadoras iam rematar. Infelizmente, não deu para nós, novamente.

A mensagem acima referida tem a ver com o crescimento da modalidade. Excelente ideia a junção duma só divisão, em vez das anteriores zona norte e zona sul. Excelente ideia a introdução da 2ª divisão. Mas falta olhar mais fundo, para os distritais. Para a formação no feminino.

Obviamente que o “cair para o nosso lado”, tem a ver com o dizer que um dia seremos nós a erguer o troféu. Mas eu vou mais profundo nesse pensamento e levo essa indicação ao que está a ser bem feito, mas ainda ao que falta fazer. E, no futsal feminino, quer queiramos, quer não, ainda falta fazer muito.

Não podemos só olhar ao que é feito a nível de seleções ou de alguns (poucos) clubes, mas sim ao seu todo.

Estaremos nós, em condições, de colocar de lado os desejos de um protagonismo rápido e nos centrarmos de vez no essencial? Seremos capazes de deixar de criticar os outros, de perder tempo com observações irrealistas e admitirmos que temos um longo caminho para percorrer? Seremos capazes de abandonar esse desporto nacional que é a clubite, a maledicência e manter o foco em objectivos reais?

Temos pela frente tempos que se adivinham duros mas que podem mudar de vez a face da modalidade que tanto gostamos. Temos à nossa frente a hipótese de escrever a nossa própria história, de construir o nosso caminho respeitando e fazendo respeitar a nossa identidade, a identidade de Portugal, mas também a identidade de cada clube.

Temos pela frente a hipótese de semear um futuro melhor para o futsal feminino. Se percebermos que os outros podem conseguir ver o que não vemos. Que os outros podem ter soluções para os nossos problemas e que nós podemos ter soluções para os problemas dos outros. Temos pela frente a hipótese de ser melhores. Não porque os outros sejam maus, mas pelo crescimento de todos, para que sejamos cada vez mais, mas também melhores.

Não tenho quaisquer dúvidas de que temos potencial para vir a ganhar um título europeu.

Isto, claro, se conseguirmos resistir à enorme tentação que é e será sempre a galinha do vizinho.

Fernando Parente (Treinador Futsal)